Parasitológico de Fezes

03/04/2012 14:40

Introdução

O exame parasitológico de fezes (EPF) representa o processo mais objetivo de se diagnosticar as parasitoses intestinais, pois permite o achado do próprio parasita ou de suas formas intermediárias, que integrarão seu ciclo biológico. O material a ser examinado deve ser transportado em recipiente plástico, de excelente vedação e encaminhado ao laboratório dentro de 24 a 48 horas da coleta. Atualmente, existem recursos que permitem a conservação das fezes por longos períodos, não havendo assim obrigatoriedade de seu exame imediato. A baixa temperatura, entre 5 e 10 graus, impede a putrefação por três a quatro dias e é um dos mais simples meios de conservação. Caso o tempo para o envio do material necessite ser prolongado, um conservante deve ser adicionado, como 10 a 15 volumes de formol a 10%, a solução de MIF ou de SAF. Das soluções adicionadas às fezes com fins de preservação do material, a solução de MIF é uma das mais populares em nosso meio e é parte integrante de um dos métodos de exame microscópico que veremos em seguida.

O EPF pode ser macroscópico ou microscópico. Algumas parasitoses intestinais podem ser reconhecidas pelo encontro do próprio verme adulto eliminado pelo intestino, quando suas dimensões o tornam visível a olho nu, como no caso do Ascaris lumbricoides, do Enterobius vermicularis, dos proglotes das Taenias sp etc. Em outras circunstâncias, a identificação de ovos, larvas, ou cistos e trofozoítas só é possível por microscopia.

Exame macroscópico

O exame macroscópico das fezes permite avaliar o aspecto do material fecal, como a mudança de sua consistência nas diarréias, evidenciar a presença de sangue e/ou muco nas disenterias amebianas, identificar indicadores de má-absorção, como a esteatorréia que caracteriza as infecções graves pelo Strongyloides stercoralis ou pela Giardia lamblia, por exemplo. O achado de vermes adultos reconhecíveis macroscopicamente até pelos próprios pacientes é mais comum dentre os nematelmintos, como os acima citados Ascaris lumbricoides, Enterobius vermicularis e o Trichuris trichiura. Quanto aos platelmintos, como as Taenia solium e Taenia saginata, o encontro de seus proglotes é a mais comum das suas exteriorizações. Em relação a essas últimas, a avaliação das ramificações uterinas dentro dos proglotes, dos escólex e de suas características, irão possibilitar a identificação com certeza da espécie em questão. Para desfazer um conceito que os leigos muito valorizam, é importante salientar que os escólex têm dimensão em torno de um milímetro e sua identificação não é possível macroscopicamente. Um artifício que pode facilitar o achado macroscópico de proglotes expulsos com as fezes é a sua coagem da matéria fecal sob um fluxo contínuo de água, através de uma tela metálica fina, que retém as formas parasitárias e detritos alimentares maiores, e que é chamado processo de tamização. Em alguns casos de relato por pacientes de eliminação de proglotes junto às fezes e repetidos EPFs negativos, este processo pode ser de grande aplicação.

Exame microscópico

Diversas são as parasitoses intestinais cujo diagnóstico se faz, com maior eficácia, pelo exame microscópico das fezes. Algumas, porém, como as causadas pelos protozoários, só têm a sua confirmação através do microscópio, já que se tratam de organismos unicelulares, tanto na forma vegetativa como nas formas císticas. É também relevante destacar que parasitas que não têm como habitat o trato gastrintestinal humano, como o Schistosoma mansoni, parasita do sistema porta, têm seus ovos eliminados pelas fezes e seu diagnóstico possível pelo EPF. Também para o exame microscópico das fezes existem métodos de elaboração do conteúdo fecal, que propiciam a maior chance de achado de determinados parasitas e que serão citados a seguir. Alguns desses exames são apenas qualitativos e nos dão informação da presença do parasita no organismo, enquanto outros são quantitativos e já nos informam sobre a intensidade da infecção existente.

Método da sedimentação espontânea ou de Hoffmann-Pons-Janer ou método de Lutz.

Este método consiste em se permitir a sedimentação dos elementos parasitários, tais como ovos, larvas e cistos, levados pela gravidade, em um copo cônico, onde se faz presente uma suspensão das fezes a serem examinadas, diluídas em água filtrada, após coagem de 6 a 10 gramas do material a se examinar, por uma tela metálica com uma gaze dobrada em sua superfície, para reter os resíduos alimentares maiores. É fácil compreender que os elementos mais pesados como os ovos, sobretudo de Schistosoma mansoni, Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, por exemplo, tendem a se precipitar mais rapidamente e em maior número. Trata-se de um excelente método para a pesquisa de todos os elementos parasitários, sobretudo os ovos e as larvas de helmintos, mas também de cistos de protozoários. Além de ter baixo custo, é de fácil realização, uma vez que duas a vinte quatro horas após a montagem do sistema, já se pode, com uma pipeta, colher o sedimento no fundo do copo cônico, para ser posto entre lâmina e lamínula e levado ao microscópio para exame. Este método confere 75% a 80% de positividade na esquistossomose mansoni, sobretudo nas formas intestinal e hepatointestinal.

Método de Baermann-Moraes

Este procedimento se aplica à pesquisa de larvas de helmintos, em especial do Strongyloides stercoralis, que possuem um hidro-termotactismo positivo. As fezes são postas sobre uma tela metálica coberta com uma gaze, de modo que entrem em contato com água filtrada aquecida a 45 graus, contida em um funil de vidro, com um tubo de borracha em sua extremidade e mantido fechado por uma pinça metálica. Este processo é deixado em repouso por uma a duas horas, ocasião em que a água é colhida em um tubo de centrifugação, após a abertura da pinça, e centrifugada a 1000 rpm por um minuto. O sedimento é colhido com uma pipeta e levado ao microscópio em lâmina de vidro para exame e identificação das larvas, que, ainda vivas, movem-se ativamente. O reconhecimento das características das mesmas pode ser feito pela adição de uma gota de lugol, que permite analisar sua cápsula bucal, seu primórdio genital e sua cauda, diferenciando assim as larvas do Strongyloides das de outros parasitas, como o Ancylostoma duodenale e o Necator americanus. Em 25% dos casos de estrongiloidíase, o EPF é negativo, tendo nos últimos dez anos o método de cultura em placar de agar ganho maior destaque por alcançar índice de positividade de 96% nas pessoas infectadas. As larvas do Strongyloides stercoralis aparecem nas fezes duas a três semanas após a penetração das formas infestantes na pele. Nas hiperinfecções, larvas filariformes também podem ser encontradas nas fezes.

Método de Rugai

É um método que tem como princípios básicos os mesmos do anterior, porém de execução mais rápida, já que se cobre o recipiente onde as fezes foram enviadas ao laboratório com uma gaze, que se estende além dos limites do recipiente, e mergulha-se o mesmo em um copo cônico contendo a água filtrada aquecida. As larvas migram para a água e, transcorrida uma hora, o sedimento é colhido e examinado ao microscópio.

Método de Faust

É um processo que busca aumentar a eficácia da pesquisa de cistos de protozoários no EPF. Filtra-se uma suspensão homogênea de fezes em água filtrada para um tubo de ensaio e leva-se ao centrifugador por um minuto a 2.500 rpm. Após desprezar o sobrenadante, repete-se a mesma manobra com o sedimento até que o sobrenadante fique claro. Acrescenta-se, então, 2 ml de sulfato de zinco a 33% com densidade de 1.180; nova centrifugação é feita nas mesmas condições anteriores e os cistos flutuarão no sobrenadante, colhendo-se com alça de platina uma porção do mesmo e levando-se ao microscópio entre lâmina e lamínula com a adição de uma gota de lugol. Nestas circunstâncias, objetivas de 10X e 40X serão obrigatoriamente empregadas.

Método de MIF centrifugado (MIFC)

Este método utiliza uma suspensão de fezes colhidas em conservador MIF, como acima descrito, filtrando-se 2 a 4 ml da mesma através de uma gaze dobrada quatro vezes, para um tubo de centrifugador ao qual se acrescenta 5 ml de éter sulfúrico. Centrifuga-se, então,  por um minuto a 1.500 rpm, desprezando-se em seguida o sobrenadante e colhendo-se o sedimento no fundo do tubo, após acrescentar-se uma gota de lugol. Este também é um método que tem ótima aplicação no diagnóstico da maioria das parasitoses intestinais. Ele não permite visualizar larvas vivas dos helmintos intestinais e localizá-las por sua motilidade. O uso do conservador de MIF, por não permitir a decomposição dos ovos, larvas e cistos, permite que se aumente o índice de correção do resultado do exame, pela coleta de amostras de fezes de três a cinco exonerações de dias diferentes, em um mesmo recipiente.

Método do raspador anal de Graham

Este método consiste na aplicação sobre as pregas anais de uma fita gomada, com duas tiras de papel nas extremidades e colocada sobre um tubo de ensaio com a face aderente voltada para fora. Ovos de Enterobius vermicularis e, mais raramente, de Taenia sp aderidos às pregas anais se fixam sobre a fita que em seguida é colocada sobre uma lâmina de vidro e levada ao microscópio. Como a fêmea do Enterobius vermicularis não faz postura e a Taenia sp hermafrodita também não o faz, seus ovos podem ser encontrados nas margens anais quando da passagem das fêmeas repletas de ovos e dos proglotes, respectivamente.

Método de Kato-Katz

Este é um método quantitativo, que permite não só o diagnóstico mas também a contagem dos ovos por grama de fezes, tendo sido muito preconizado na avaliação do grau de infecção por Schistosoma mansoni, mas também útil para o Ascaris lumbricoides, Trichuris trichiura, Ancylostoma duodenale e Necator americanus. Sua realização é um pouco mais sofisticada que a dos métodos anteriormente descritos e requer um maior rigor na realização de suas diversas etapas.

Método da hematoxilina férrica

É muito útil no diagnóstico das protozooses intestinais, em especial das infecções por Entamoeba hystolitica, Entamoeba díspar, Entamoeba coli, Giárdia lamblia, Endolimax nana, Dientamoeba fragilis e outras. É um procedimento mais trabalhoso e dispendioso, mas de grande valia na percepção das organelas intracelulares destes protozoários, permitindo a sua diferenciação, já que alguns são muito semelhantes morfologicamente e requerem método de exame mais apurado. É habitualmente realizado em fezes purgadas e colhidas em uma solução saturada de bicloreto de mercúrio como conservador.

Conclusões

As parasitoses intestinais estão sofrendo significativa redução em sua prevalência em algumas regiões do Brasil nas últimas décadas, em razão dos investimentos realizados na melhoria de nossas condições de infra-estrutura sanitária, acompanhados de uma razoável difusão dos fundamentos da educação sanitária e de significativo êxodo rural, com os habitantes do campo procurando as metrópoles em busca de melhores condições de vida. O diagnóstico das parasitoses intestinais se torna fácil quando se identificam macroscopicamente os parasitas, mas, como vimos acima, somos forçados com freqüência a recorrer a artifícios diversos na busca de sua confirmação. Parasitas como o Ascaris lumbricoides, cuja fêmea chega a posturas de até 200 mil ovos ao dia, são mais facilmente diagnosticados. Entretanto, é bom salientar que após a primeira infecção, os ovos só aparecerão nas fezes após 40 dias e se a infecção for apenas por machos, o EPF será sempre negativo. Raciocínio semelhante pode se aplicar ao Ancylostoma duodenale cujos ovos podem levar até 38 semanas após a infecção para aparecerem nas fezes, enquanto para o Necator americanus este fato se dá em torno de dois meses. Outros parasitas, como o Schistosoma mansoni, têm uma postura de ovos pelas fêmeas de intensidade variável equivalente ao redor de 300 ovos por dia, para cada fêmea, nas ocasiões de postura mais abundante. Destes, apenas um terço alcança a luz intestinal e saem junto com as fezes para o exterior. Em outros, a postura não ocorre, como nas Taenias e no Enterobius vermicularis e o EPF pode ser negativo, apesar de evidências clínicas sugestivas de sua existência. Em virtude da eliminação das larvas do Strongyloides stercoralis não se fazer de forma contínua, ao longo dos dias, períodos em que seu número é mais reduzido,podemos não identificá-las nos sucessivos EPFs, mesmo empregando um dos métodos mais eficazes, como o de Baermann-Moraes ou o de Rugai. Por tal razão, é recomendável repetir-se o exame por mais duas ou três vezes, nos casos de forte suspeita clínica, com um intervalo de uma semana entre cada exame. Esta conduta faz crescer o índice de diagnóstico da parasitose nos pacientes com quadro clínico sugestivo.

Pelas razões acima expostas, necessitamos, pois, recorrer a uma combinação de métodos de exames, se quisermos nos aproximar de um índice mais elevado de diagnóstico e mais reduzido de resultados falso-negativos. Assim, a utilização do MIFC feito a partir de amostras de três a cinco exonerações, associado ao Baermann-Moraes, é uma boa alternativa em termos de eficácia e praticidade. Outra associação de grande eficiência é o emprego do método de Hoffmann-Pons-Janer, associado ao Baermann-Moraes e ao Faust. Como dito acima, a cultura em placa de agar para a estrongiloidíase se mostrou superior ao EPF no diagnóstico da doença. Na presença de dúvidas sobre os cistos de protozoários encontrados, recorreremos ao método da hematoxilina férrica que facilitará dirimir as mesmas. Se precisarmos avaliar a intensidade da infecção, deveremos então recorrer a um método quantitativo, tal como o de Kato-Katz. A coloração das fezes pelo método de Ziehl-Neelsen pode ser valiosa para identificar o Cryptosporidium parvum e o Isospora belli, os quais são observados particularmente em pacientes imunodeprimidos, tal como naqueles portadores de SIDA.

Nosso grande anseio em relação às parasitoses intestinais se situa na esperança dos dias em que nos referiremos aos artefatos empregados nos EPFs apenas como peças de museu, ocasião em que estas doenças estarão erradicadas da vivência humana.

 

Júlio Maria Fonseca Chebli - CREMEMG 27.435

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